ID da obra: 43

"Toda a vida é um teatro"

Het
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planejado Mini, escrito 12 páginas, 5.456 palavras, 4 capítulos
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Cena Dois — A Embriaguez das Consequências

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O som de um objeto de cena a cair, o estrondo de madeira de uma bastidor, age como um balde de água gelada. Alan afasta-se bruscamente, mordendo o lábio inferior, como se tivesse levado um choque. A mão retira-se instantaneamente da sua nuca. Nos olhos esverdeados, que há um segundo ardiam com a intensidade de Helen, lê-se agora choque, uma instantânea recomposição e uma profunda inquietação. Ele dá um passo atrás, aumentando a distância para uma profissional e segura. O homem está ligeiramente desconcertado com o seu próprio comportamento, mas rapidamente retoma o controlo. A voz é baixa, ligeiramente tensa, mas absolutamente clara, sem vestígio de sussurro: — Chega. — Ele não olha diretamente para Anna, o seu olhar fixa-se algures além do seu ombro, na escuridão da sala. Ajeita o sweater, um gesto calculado, quase mecânico. — Isto... saiu do controlo. A culpa é minha. Anna está de pé, apoiada num móvel de cena que embateu. Respira com dificuldade, segura a mão no peito como se verificasse se o coração não salta, os lábios ardem, as faces estão flamejantes. O mundo à sua volta ainda está desfocado. As palavras da confissão "Senhor Rickman, eu já gosto tanto de si..." ficam presas na sua garganta, não proferidas, substituídas por uma ardente vergonha e desorientação com a reação dele. Ela cruza os braços instintivamente sobre o peito, tentando esconder o seu estado de excitação e a respiração ofegante. Alan, já mais suave, mas com uma firmeza inquestionável: — Anna. Respira. Fundo. — Faz uma pausa, dando-lhe tempo para se recompor. — A energia da personagem... é poderosa. Pode arrastar-nos. Mas somos actores. A nossa tarefa é dominá-la, não mergulhar nela. Especialmente em momentos tão... íntimos. — finalmente olha para a rapariga, o olhar direto, avaliador, mas agora é o olhar de um realizador ou de um colega mais experiente, e não do amante apaixonado Helen. Não há censura, mas há uma fronteira clara. — Estiveste magnífica no momento antes da... falha. A sinceridade é um dom. Mas o controlo é um ofício. E é preciso aprendê-lo. Aproxima-se do bastidor caído, levanta-o e coloca-o no lugar com a precisão de um mecânico. Este gesto simples, mundano, devolve-os definitivamente à realidade do teatro vazio, e não à ilusão apaixonada da cena. — Por hoje é suficiente. — suave, contido — Vai para casa. Descansa. Amanhã recomeçamos esta cena. Do zero. E com uma compreensão clara das fronteiras. — Vira-se para apanhar o seu guião e as suas coisas. A conversa terminou. Anna permanece de pé no palco, ainda a tremer por dentro, mas agora de uma mistura de vergonha, alívio e de um estranho respeito por aquela vontade férrea que foi capaz de parar tão abrupta e categoricamente a tempestade que eles juntos despertaram. O seu distanciamento foi doloroso, mas foi o correto. Anna percebeu isso mesmo através do nevoeiro das suas emoções. O beijo foi fogo, mas o seu término abrupto foi uma lição – uma lição de profissionalismo que o mestre lhe deu. Uma lição que ela recordará para sempre. O sangue jovem, agitado, uma tempestade de emoções e do choque vivido, atrai-a para um bar. Anna senta-se ao balcão, à sua frente está o terceiro copo de vinho, bebido demasiado depressa. O ruído, a música, o cheiro a cerveja e fumo de cigarro não conseguem abafar as memórias. Ela passa as pontas dos dedos pelos lábios. Perante os seus olhos – apenas o rosto dele na penumbra do palco, a sensação das suas mãos, lábios... Aquele beijo não foi apenas "apaixonado, como no guião". Nele houve desejo, profundidade, experiência, que ainda a fazem sentir tonturas. Ela sentiu o seu poder sobre ela, sobre o momento, e isso foi simultaneamente assustador e incrivelmente atraente. A voz aveludada, sussurrando as palavras de Helen, soa-lhe nos ouvidos mais alto que a música do bar. — "Eu fui obcecido por ti..." – e ela acreditou. Meu Deus, como ela acreditou! E como distinguir agora o papel da pessoa? Um homem de cerca de 40 anos, insistente, já se sentou ao seu lado: — Linda, porque é que está tão triste sozinha? Deixe-me animá-la... — Pousa a mão no seu joelho. Ela estremece e afasta-se ligeiramente. — Deixe-me em paz. — a voz soa fraca, embriagada. Tenta concentrar-se, mas o vinho e as memórias tornam o mundo difuso. O homem, persistente: — Ora, não fique triste... Deixe-me aquecê-la? — os dedos apertam o joelho com demasiada confiança. Normalmente, Anna tê-lo-ia mandado embora. Mas hoje... hoje insideira uma tempestade. A solidão após aquele beijo era insuportável. Ela precisava de sentir. Algo real. Qualquer coisa. Para abafar aquela dor da impossibilidade. Ela virou-se para o estranho. Nos seus olhos ardia um interesse franco, desavergonhado. Ele não era bonito, era algo grosseiro, mas havia nele uma força animal, uma selvajaria que contrastava com a paixão calculada e intelectualizada de Rickman. E nesse contraste havia uma atração – primitiva, mas forte. Até doer no peito. — Aquecer-me? E tens força para isso? — voz contida, com desafio. Ele sorriu, vendo a fraqueza. — Oh, tenho, linda. E que tenho. — Inclinou-se, o seu hálito cheirava a cerveja e cigarros. Anna fechou os olhos. Não é ele. Não é ele. Mas quando os seus lábios se pressionaram grossos contra os dela, ela permitiu, apenas por uma fração de segundo, percebendo de imediato. Não é ELE. Não são as suas maçãs do rosto definidas, o olhar penetrante, os lábios entreabertos. Ela imaginou que eram as suas mãos a deslizar pelos seus flancos, a agarrar firmemente a sua cintura, puxando-a para mais perto. Que era a sua voz a sussurrar algo baixo, rouco de desejo. Esquecendo-se na sensação, Anna correspondeu ao beijo do estranho com um ardor que surpreendeu até a si mesma – mas aquele ardor não era dirigido a ele. Era um grito no vazio, uma tentativa desesperada de alcançar um fantasma, a sensação deixada por Ele. O estranho interpretou a sua resposta como consentimento. — Vamos é para o meu carro, — sussurrou roucamente, os lábios a deslizarem pelo seu pescoço. — Lá... é mais aconchegante. Relaxamos como deve ser. — puxou-a para a saída, para o carro escuro estacionado no passeio. O corpo jovem de Anna, despertado pelo beijo de Rickman, embriagado e solitário, correspondia à insistência. Nele não havia a sua inteligência, a sua profundidade, mas havia ganância, uma disponibilidade para tomar o que lhe ofereciam. E naquele momento de autodestruição, naquele fogo substituto, ela precisava... disso. Quase não resistiu, permitindo ser levada para o carro, os seus pensamentos confundiam-se entre a repulsa pelas mãos grosseiras e a memória obsessiva do toque aveludado de Alan. Mas quando a porta do carro se abriu, libertando um cheiro a mofo e cigarros, a realidade abrupta trespassou-a. Não é Ele. Isto não é ELE. A fantasia rachou. O pânico, misturado com náusea, atingiu-lhe as têmporas. Anna libertou-se bruscamente dos seus braços, cambaleando. — Não! Deixe-me! — gritou, a voz falhou. — Ei, para onde? Tu é que quiseste... — O homem, irritado, agarrou-lhe o braço. Ela puxou o braço, o coração a bater descontroladamente. O rosto do estranho contorceu-se com raiva quando a rapariga emergiu como se saísse de um pântano. Anna correu enquanto teve forças. A adrenalina e o ar frio da noite gradualmente sóbri-a, misturando-se com uma vergonha ardente e medo. Refugiou-se atrás do tronco grosso de um velho carvalho no parque, o corpo todo a tremer. Não de frio, mas da perceção da sua própria queda, da vulnerabilidade, da força insuportável dos sentimentos por um homem que era para ela um pico inatingível. Agora ela entendia todo o horror daquele acto. Não fora gratidão, fora uma súplica, um reconhecimento da fraqueza, um grito no vazio. Com o cérebro embriagado e impulsionada pela adrenalina, pegou no telemóvel e escreveu uma SMS: "Sr. Rickman. Desculpe incomodar a esta hora. Só... queria agradecer. Por hoje. Pela lição. O senhor... é incomparável. Um talento tão grande. Estou em completo êxtase. E aquele beijo... (pausa na escrita, os dedos tremem) ...foi o beijo mais maravilhoso, mais real da minha vida. Obrigado. Anna." Guardando o telemóvel, olha para o ecrã, pressiona-o contra a testa com os pensamentos "Meu Deus, o que é que eu estou a fazer, porque é que escrevi isto?!"
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