Capítulo 1- a garota misteriosa
20 de setembro de 2025 às 14:14
Eu já a avisto passando, caminhando tranquilamente com um meião de abelhinhas, fones de ouvido e um chaveiro de caveira pendurado no zíper da mochila, balançando enquanto ela caminha sem pressa.
Ela sempre sai no mesmo horário. Nunca chegou atrasada. Está sempre com os fones de ouvido, uma saia azul-escura, regata preta, os cabelos longos, castanhos e lisos e — principalmente — aquele meião listrado preto e amarelo, igualzinho ao da Louisa Clark, do filme Como Eu Era Antes de Você.
Essa garota é um mistério. Desde que chegou à minha cidade, nunca a vi sem aquele meião. Nenhuma vez sequer. Mesmo usando todos os dias, ele está sempre impecável, como se fosse novo. Será que ela tem uma coleção? Ou lava todos os dias?
Mas o mais estranho de tudo é que ninguém mais parece saber dela. Meus amigos nunca a viram. Já perguntei, e nada. Será que só eu vejo essa garota? Será que estou tendo alucinações?
Não sei. Só sei que ela me desperta uma curiosidade que não consigo controlar.
Todos os dias, depois da aula, eu sempre sento no mesmo lugar: debaixo de uma árvore enorme que fica bem na calçada entre a minha escola e a dela. É o ponto perfeito. Dá pra ver a saída da escola dela sem que ninguém me note. A árvore faz uma sombra boa, e o tronco é firme o bastante pra eu encostar as costas e fingir que tô ali só descansando.
Isso já virou parte da minha rotina. E eu não consigo resistir.
O chão é meio bagunçado, cheio de folhas secas, galhinhos, uns pedaços de grama que insistem em crescer na beira da calçada. Já até ficou confortável, sabe? Como se fosse meu cantinho de espiar.
As outras meninas até usam meiões de vez em quando — rosa, vermelho, colorido. Mas é só um dia ou outro. Depois, voltam pro jeans, short, saia... Mas ela não. Essa menina misteriosa parece ter o meião colado nas pernas. Como se fosse tatuado.
A primeira vez que a vi foi quando saí da escola e me sentei, aleatoriamente, embaixo de uma árvore, pensando bobagens. Ela passou. Não liguei muito. Mas depois o episódio se repetiu. E de novo. Aí comecei a suspeitar.
Perguntei aos meus amigos se sabiam quem era. Disseram que não. Daí inventei pra mim mesmo que ela era nova na cidade. Fazia sentido. Eu nunca a tinha visto antes.
Depois de vários dias observando ela sair pelos portões da escola com aquele estilo, comecei a sentir algo estranho. Não sei bem o quê.
Agora, todo dia, corro pra debaixo da árvore só pra vê-la. Só pra ver se, um dia, vou ter a chance de ver ela sem aquele meião.
E aí a coisa foi ficando séria. Comecei a desenhar ela. Alguns com o meião. Outros, como eu a imaginava sem ele. Talvez ela tenha pernas de atleta e se esconda por vergonha. Talvez tenha cicatrizes. Sei lá. Ela é um mistério.
Nenhum dos desenhos me parece certo. Já pensei várias vezes em falar com ela. Mas eu sempre travo. E olha que eu nem sou de travar, nem de desistir fácil. Mas com ela... com ela é diferente.
Isso tá até me causando umas sensações que nem sei explicar direito.
E como eu nunca soube o nome dela, pelo menos até agora, nos meus desenhos, nos meus pensamentos, comecei a chamar ela de Abelhinha.
É um apelido que parece bobo, disso eu sei, mas até eu saber o nome dela, eu irei chamá-la assim.
Quando percebo que ela já desapareceu, eu me levanto e caminho de volta pra casa, pensando de novo naquele meião de abelhinhas. Me perguntando se, algum dia... vou vê-la sem ele.