Capítulo 1
8 de abril de 2025 às 19:28
Draco não se lembrava de ter estado em um lugar tão abafado. Ele literalmente não conseguia respirar. O satanista, cuja sessão Draco estava participando naquele momento, estava sentado do outro lado da mesa estreita e ofegava. Desde a sua chegada, eles não trocaram uma palavra, e o silêncio já começava a ser desconfortável. Draco permaneceu em silêncio porque não tinha certeza se era permitido falar. O Esculápio Mraxônio, como estava escrito no site da internet, estava em silêncio porque, aparentemente, havia adormecido.
A sala onde estavam parecia um pequeno cubículo. As paredes eram cobertas por um veludo negro profundo, e ao longo de cada parede havia prateleiras com uma variedade de itens que lembravam um covil de seita de filmes: velas de todos os tamanhos e formas, crânios de animais dispostos em ordem crescente. Frascos e potes cheios de vários líquidos até a borda.
Contas rituais, ervas e um machado penduravam em um canto, enquanto diretamente em frente à entrada balançava uma perna de boi decapitada para que quem entrasse notasse imediatamente. Quanto mais tempo Draco passava ali, mais seu estômago se contorcia em um nó desagradável. Ele já estava começando a se sentir enjoado. A sala exalava um cheiro horrível de sangue, água estagnada e fumaça. Na mesa havia velas, um caldeirão com um líquido marrom e uma caixa estranha. O espaço era tão pequeno que os joelhos deles se tocavam sob a mesa.
O Esculápio Mraxônio pigarreou, chamando atenção, inclinou a cabeça para trás e uivou. Draco o encarou com olhos arregalados, esperando que algo sobrenatural aparecesse naquele momento.
— Meu nome é Harry. Bem-vindo ao covil do diabo, único em seu tipo. Eu vou conduzir a cerimônia de venda da alma e serei o intermediário entre o mundo material e o infernal. Sinta-se à vontade enquanto ainda puder sentir algo — Harry fez uma reverência, tocou a testa na mesa com um barulho alto e chiou de dor.
— Boa tarde, Harry. Meu nome é Draco Malfoy e eu quero vender minha alma ao diabo.
— Eu sei por que você está aqui. Não é como se as pessoas viessem aqui para tomar chá ou fofocar — Harry alfinetou e puxou o capuz longo para trás, revelando a Draco um rosto jovem quase juvenil, cabelos desgrenhados e estranhas óculos redondos que escondiam olhos verdes.
Draco ficou sem palavras ao perceber a familiaridade daquele jovem que deveria ser sério; sua aparência não combinava muito com a seção “experiência” do site da internet, onde estava escrito orgulhosamente “quarenta e um”. Pode um satanista de alto nível ser um adolescente de dezenove anos que acabou de sair da puberdade?
Draco estava prestes a perguntar o que estava acontecendo quando Harry falou primeiro:
— Não ouse abrir a boca sem minha permissão. Você não entende que os demônios podem ficar irritados com sua falta de respeito e vir atrás de você assim que deixar meu território? Nesse caso você é apenas burro — Draco assentiu, reprimindo dentro de si a raiva por aquele garoto atrevido que ousava ofendê-lo — Me dê sua mão esquerda.
Assim que a mão de Draco foi capturada pelo satanista, ele puxou uma régua e uma caneta marcadora de algum lugar sob a mesa e começou a medir algo com empenho.
— Então, sete na diagonal, quatro à esquerda, nove da falange do dedo médio. Qual é mesmo seu signo?
— G-Gêmeos.
— Que diabos! Por que você não disse isso antes?! Idiota! Para gêmeos e capricórnios é totalmente diferente — Harry suspirou dramaticamente como uma criança birrenta e revirou os olhos antes de começar a esfregar o polegar na palma da mão de Draco para apagar as marcas anteriores feitas pela caneta — Então fique quieto e me deixe me concentrar. Seis à esquerda e depois dessa marca dois na diagonal… Não! Não são dois… ou talvez três? Ou será dois? — Harry coçou a cabeça — Bem… será dois e meio… O que você está esperando? Fale enquanto ainda tem alma! Eu não sou barman em um pub mas posso ouvir você… Então… quatro do pulso… quarenta e quatro do ombro… Levante-se e tire sua camisa.
Draco levantou-se em silêncio ignorando o convite para uma conversa íntima enquanto pensava no motivo pelo qual precisava se despir. Havia tão pouco espaço entre a mesa e as prateleiras que eles estavam quase colados um no outro. Sem esperar por qualquer ação de Draco, Harry começou a desapertar os botões da camisa dele lentamente, expondo sua pele centímetro por centímetro enquanto tocava-a com seus dedos gelados ocasionalmente. Draco involuntariamente se encolheu tentando escapar daquele toque frio.
— Não se mexa tanto! É desconfortável eu sei… E está frio aqui né? Eu aumentaria o aquecimento mas Satanás não gosta do calor.
Draco mal conseguiu conter as sobrancelhas levantadas em surpresa. Primeiro porque estava quente como numa sauna naquela sala; segundo porque como Satanás poderia não gostar do calor se ele supostamente vive no inferno?
Enquanto isso Harry já havia conseguido tirar a camisa dos ombros alheios acidentalmente esbarrando com o cotovelo em um pote cheio de baratas secas na prateleira. Draco fez uma careta ao perceber que havia uma dúzia delas mortas espalhadas pelo chão. Harry parecia nem ter notado isso; ele estava examinando as linhas intrincadas formando um dragão elegante no peito de Draco.
— Bonito — Harry traçou cuidadosamente o contorno da tatuagem com o dedo.
— Obrigado — Draco ficou envergonhado; algo estranho estava acontecendo — E você realmente é satanista?
— Com certeza! Você perdeu aquela parte sobre eu ter realizado mais de seiscentas sessenta sessões?
— E quantas delas foram bem-sucedidas?
— Depende do que você considera sucesso… Nessa sala ninguém morreu mas eu não posso garantir que todos saíram com o mesmo número de membros com os quais entraram — Harry sorriu estranhamente e Draco não conseguiu entender se aquela última frase era uma piada ou não.
— Harry… talvez você também pudesse tirar sua roupa? — As sobrancelhas dele subiram instantaneamente ficando lá mesmo; ele olhou nos olhos de Draco tentando entender o que ele queria dizer — É só que me sinto meio constrangido aqui semi-nu enquanto você está completamente vestido… Não estou acostumado com isso.
Draco tentou rir mas soou estranho e desconfortável; Harry não disse nada mas deu um passo para trás enquanto começava a desapertar os botões da própria camisa.
— Não! Não! Não! — Draco aproximou-se rapidamente dele cobrindo suas mãos com as suas — Eu estava brincando!
— Eu sei.
— Então… O que você está fazendo?
Ele não teve tempo para terminar; Harry pressionou seu peito contra o peito alheio antes de focar em unir seus lábios. Draco sentiu os lábios secos tocarem os seus sem surpresa alguma; ao invés disso pensou que eles eram da mesma altura. O beijo inocente — embora Draco não chamasse aquilo exatamente assim — durou alguns segundos antes que Harry se afastasse novamente; ele observava silenciosamente os reflexos das velas nos olhos cinzentos até que Draco falou:
— Isso faz parte do ritual da venda da alma ou foi só algo casual?
— Eu definitivamente não sou o diabo mas você pode vender sua alma para mim; embora haja uma opção melhor: Que tal amarrarmos nossas almas com uma linha vermelha?
E parecia que isso definitivamente não era uma piada.